sexta-feira, 6 de maio de 2022

Transmutação

 

Poucos leem versos atualmente
Poucos correspondem afetos
Poucos são agradecidos
Poucos respondem
Poucos escutam
Poucos olham nos olhos
Poucos se solidarizam
Poucos se desprendem
Poucos reaprendem
Poucos entendem
Poucos preservam
Poucos elevam
Poucos perdoam
Poucos se conhecem
Poucos buscam horizontes
Poucos transmutam tristezas
Poucos multiplicam alegrias
Poucos aproveitam a essência
Poucos energizam sabedoria
Poucos bem poucos amam intensamente
E o que seria do mundo na ausência desses poucos?
Desejosa sou
no poeta que me preenche
Que desses poucos
Sejamos Todos.
- Aline Rochedo Pachamama, no livro "Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve". Pachamama Editora, 2015.

“A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos”, Mia Couto

 “A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos”, Mia Couto.

SÃO DEMASIADO POBRES OS NOSSOS RICOS

“A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.

Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.

A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos «ricos». Aquilo que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.

O maior sonho dos nossos novos-rícos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas. O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas, muito convexos e estradas muito concavas.

A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza. Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade.

As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças.

Por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam. O fausto das residências não os torna imunes. Pobres dos nossos riquinhos!

São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam de ser sustentadas com dispendiosos mimos.

O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído”.

O POBRE RICO, QUE USA A RIQUEZA APENAS PARA SEU BENEFÍCIO PRÓPRIO É MAIS POBRE DO QUE AQUELE QUE NÃO TEM DINHEIRO ALGUM. IARA FONSECA

*DA REDAÇÃO RH. Via – Mia Couto, in ‘Pensatempos’.